Review Multiversal - Harleen

 Quantas histórias podemos contar em uma cidade povoada por anjos com asas de barro? A moral vai ser sempre a mesma? Eles sempre voam perto demais e acabam caindo desesperadamente de boca no chão? Venham descobrir!

Harleen é a história de origem DEFINITIVA para a mais recente vilã clássica da DC.



 No final de 2019 a DC Comics lançou, através do selo Black Label, uma releitura da história da Arlequina, mostrando do ponto de vista da Harley todo o processo de sua queda de Psiquiatra do Arkham para parceira do Coringa. E, por mais "sem-graça" que essa proposta possa ser (afinal, já vimos inúmeras vezes essa origem, ainda mais para uma personagem que é relativamente nova, considerando com quem ela já dividiu título/quadros), eu me interessei muito por esta HQ, principalmente pela arte, que foi feita por Stjepan Šejić, e por estar no então novo selo da DC, que foi responsável por algumas histórias que, no mínimo, geraram assuntos interessantes. Tipo a discussão sobre o tamanho do bat-peru. 

 Mas nada poderia me preparar para o roteiro bem feito de Stjepan (ele assina a arte E o roteiro, algo incomum em histórias de quadrinhos norte-americanas), que conseguiu finalmente prender minha atenção em uma história envolvendo a palhaça mais popular da DC. O que é um grande feito, tendo em vista minhas opiniões pessoais sobre a personagem. Opiniões essas que sempre foram manifestadas por minhas clássicas falas em salas de aula "Arlequina é super-estimada" e "Quem merece essa atenção é gente tipo o Pistoleiro ou a Hera Venenosa". Mas os tempos mudam. Opiniões mudam e, até mesmo ex-fanboys chatos conseguem se abrir para coisas novas, muitas vezes melhores do que esperavam. E melhores do que merecem.

C: "Sabe, eu deixo os idiotas ali atrás no caminhão pulando e morrendo, mas você é o motorista! Nós temos cintos de segurança por um motivo!" F: "desculpa chefe" C: "quer dizer, só porque somos criminosos, não quer dizer que somos criminosos burros!" F: "não vai acontecer de novo"

 Em três edições, a minissérie nos apresenta Drª Harleen Quinzel, uma psiquiatra com poucos amigos e ainda menos esperanças de ser bem sucedida, e a sua decida até a loucura e transformação em Arlequina, que todo mundo ama, aparentemente. E cara, como isso me assustou de uma forma absurdamente tenebrosa.

 Durante a trama, Harleen se apaixona pelo Coringa enquanto tenta comprovar sua teoria de que os atos terroristas cometidos pelos vilões de Gotham estão diretamente ligados com danos cerebrais além de psicológicos. E tudo culmina num clímax absolutamente macabro onde vemos a extensão da manipulação emocional e psicológica que o Coringa é capaz de fazer. Vemos também, durante a minissérie inteira, o começo e amadurecimento de um relacionamento abusivo, e a queda da doutora do seu pedestal a ponto de isso SER o tema principal da história. Harley sonha com o Coringa e chega até a desafiar o BATMAN por ele, ela apenas se afoga nessa paixão que é unilateral. Para o palhaço do crime, a Drª Quinzel é apenas seu plano da vez, e o romance apenas existe para controlá-la e ajudá-lo a escapar do Asilo Arkham.

Esse gibi nos mostra como até mesmo aquela pessoa especial pode nos fazer sonhar e dormir como anjos e ser o próprio demônio nos preparando para uma grande armadilha. 

 Stjepan narra a queda da Arlequina de uma forma absurdamente crível. Enquanto lia, sentia que tudo isso era plausível, que isso poderia acontecer no mundo real, e os paralelos com situações reais que conhecidos passaram só tornaram tudo isso não somente tenebrosamente crível como também "excitante". E isso me assustou e me fascinou da mesma forma que um acidente de carro nos fascina e assusta quando vemos na T.V.: você sabe que vai dar ruim e que vai tudo explodir, mas você NÃO CONSEGUE DEIXAR DE QUERER SABER O QUE MAIS VAI ACONTECER. Não dá pra desgrudar das páginas do gibi, seja pela arte FENOMENAL ou seja pelo roteiro cativante e realista (bom, realista até onde dá).

 Porém, Harleen acabou, durante as duas da manhã de uma terça-feira, me fazendo questionar o próprio conteúdo. Seria este um gibi extremamente importante, um clássico moderno da Arlequina? Ou seria apenas um emaranhado de palavras rabuscadas e uma arte bonita passando uma mensagem vazia que já escutamos mil vezes? Seria eu apenas um crítico com insônia sedento por qualquer coisa que faça mais sentido do que qualquer que seja a massaveísse que Scott Snyder está vomitando nas bancas esta semana? Eu precisava de respostas, e ai eu me vi utilizando um pouco do que a minha atual faculdade me ensinou: ir além do produto e descobrir sua veracidade.

Drª Harley sou eu tendo surtos de madrugada enquanto leio gibis.

 Eu PRECISAVA saber o quão realista a relação entre Harley e Coringa era, e quanto daquilo era só imaginação (além, claro, do óbvio "homicida vestido de palhaço com uma contagem de corpos maior que populações de algumas cidades) e o quanto daquilo tinha fundamento e poderia ser reforçado por pessoas que são vítimas e sobreviventes de relacionamentos abusivos. E o quanto era completamente bullshit. De certa forma, eu estava com muita insônia e meu comportamento estava tornando-se paralelo ao da Drª Quinzel. É estranho como a ficção faz essas coisas com a gente... E ai eu me vi indo atrás de uma amiga que faz psicologia (salve Carol!), pra tentar entender melhor duas coisas: 1 - A relação descrita é realista? E 2 - A teoria da Harleen no começo do gibi é plausível?

 Bom o primeiro ponto se provou realista até onde é possível. A relação entre Arlequina e Coringa sempre teve mais veracidade do que é confortável, e isso sempre, SEMPRE foi o melhor da personagem, mesmo que de uma forma macabra. Já o segundo ponto, é mais complicado... Por mais que seja uma pseudo-ciência (ou seja, uma artimanha do roteirista para dar seu ar "realista e científico" pra história), é uma pseudo-ciência bem forte. A teoria de que um exagero da resposta natural do cérebro de "fight or flight" (lutar ou correr/matar ou morrer em uma tradução livre) seria capaz de danificar a capacidade do cérebro humano de sentir empatia não é real, mas seria um excelente ponto de discussão e que, quem sabe, poderia se tornar um objeto de estudo teorético.

"Brasil, você ta indo bem ai?" - universo depois de um "recente discurso de um certo presidente"

 Porém, a teoria não é real. E acho muito importante frisar que, por mais interessante seja e que até faça sentido, não é algo comprovado ou estudado até onde consegui pesquisar (eu posso estar enganado, se você estuda isso, ou conhece estudos sobre isso, escreva nos comentários que vou atrás!). E isso definitivamente não tira valor do gibi. É uma obra de arte e um dos melhores que a DC lançou em 2019 com tranquilidade. Ah sim, outra coisa. O gibi é sobre uma palhaça, e tem bastante Coringa, que é um palhaço, isso significa que tem um certo nível de humor na narrativa (até pra não ficar só muito deprimente), e ela funciona perfeitamente para amenizar o senso de terror que temos em alguns momentos, é uma narrativa simplesmente genial.

 Nota Pessoal: 10/10. Facilmente não só a minha história história favorita da Arlequina, como uma das minhas preferidas no universo da DC dos últimos meses. A arte e o roteiro são incríveis, os diálogos variam de adoráveis até perturbadores e o senso de desespero crescente que senti enquanto lia só me fez querer devorar mais e mais cada página disso. Leiam este gibi!

 Nota Crítica: 10/10: Eu apenas posso dizer que o maior defeito é acabar. A arte é espetacular, o roteiro é incrível. Não somente traz a história da Arlequina para um público novo de forma digna e bem feita, como consegue adicionar uma profundidade maior ao Coringa. É definitivamente um clássico moderno e a origem definitiva da Arlequina.

 Bom duas coisas, a primeira é bem menos séria: lembram-se de que prometemos um layout novo? ELE ESTÁ CHEGANDO AINDA ESTA SEMANA!

 E a segunda mensagem, agora muito importante: se você se sente numa relação tóxica ou em uma situação desesperadora, onde seu/sua parceiro/a lhe trata de uma forma ruim, te agredindo verbal ou fisicamente, te manipulando, invadindo sua privacidade e controlando sua vida, por favor, procure ajuda.
 Você é mais do que um relacionamento, e mais do que suas decisões ruins. Você é uma pessoa e merece dignidade, respeito e amor real. As vezes nos vemos em situações que parecem desesperadoras demais para ter uma solução, mas sempre tem uma saída boa. Fale com seus amigos e família, busque ajuda das autoridades se estiver em perigo e, principalmente, entenda que você merece uma vida feliz.


Nem sempre palavras bonitas significam um amor recíproco. Cuidado com os "Coringas" da vida, pessoal.


Texto por Mathias

Comentários

  1. Duas palavras: para bens
    Até eu fiquei com vontade de ler (inclusive vou procurar)

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    1. VALEUUU, eu tenho aqui em formato "totalmente comprei online" e posso mandar o link pra lerrrrr!!!!!!!

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