Review Multiversal: O Ninguém, de Jeff Lemire
É difícil acreditar que Jeff Lemire se trata de uma única pessoa. O autor de histórias em quadrinhos se destaca não só pela qualidade de seu trabalho, mas também pela grande quantidade dele, às vezes fazendo com que muita coisa passe batida. Felizmente, O Ninguém é muito notável.
Sendo uma reinterpretação do livro clássico de H.G. Wells, "O Homem Invisível", Jeff Lemire conta a história de John Griffen, um homem com o corpo todo coberto em bandagens que se muda para a pequena cidade de Boca Larga na década de 1990, despertando a curiosidade dos cidadãos, principalmente da adolescente Vickie.
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Todo mundo tem uma história, todo mundo tem seus motivos. Tem tanta coisa que não sabemos sobre os outros. |
Em "O Ninguém", Jeff Lemire desempenha tanto o papel de escritor quanto desenhista, algo comum em muitos de seus trabalhos. Guiando a história com enorme controle e sensibilidade, ele mostra porque é um dos principais nomes de sua geração.
A narrativa não ignora o fato de ser uma reinterpretação de um livro chamado "O Homem Invisível" e nesse ponto prefere começar brincando com as perspectivas das outras personagens com relação ao Dr. Griffen. Em cidades muito pequenas, todo mundo se conhece e tudo vira assunto, mostrando assim a forte paranoia nas personagens apresentadas, enquanto os próprios conflitos do protagonista são guardados para mais tarde.
A presença de Vickie, uma garota de 16 anos que mora com o pai e foi deixada pela mãe, se torna a principal ligação de nós leitores com a história e suas personagens. É Vickie aquela que narra a história e quer entender o que está acontecendo e saber sempre mais, para ela Boca Larga já esgotou tudo o que havia de interessante e a presença do homem completamente enfaixado é um sopro de ar fresco muito bem vindo.
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Órfão salvando dono de vila de um ataque do Dr.Griffen. |
Em pouco mais de 150 páginas, o autor consegue fazer com que nos importemos com suas personagens através de caracterizações muito humanas e temas extremamente relacionáveis como solidão, abandono, paranoia, fracasso e culpa, tornando o principal destaque desse livro o relacionamento das personagens ao invés de reviravoltas e grandes acontecimentos (que não deixam de estar presentes!). Lemire ainda trabalha com diálogos muito fluídos e orgânicos, cheios de profundidade sempre que preciso, mas nunca realmente dando "alívios" para seus leitores, a atmosfera melancólica permeia "O Ninguém" todo, só variando em intensidade.
Mesmo que muito bem executado, é preciso dizer que o autor frequentemente explora os mesmos temas. A abordagem com certeza é diferente, mas quem já é fã de carteirinha do autor vai notar algumas familiaridades com outras obras.
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"O Ninguém" foi publicado no Brasil pela Editora Pipoca & Nanquim. |
Quanto a arte, ela é magnífica. Além de autoral, o traço de Lemire conta com uma sensibilidade e expressão única, dando vida ao cartunesco como ninguém. O uso de uma paleta sempre azul complementa a atmosfera melancólica da cidade e narrativa, nos passando uma sensação tanto de tranquilidade interiorana (essa palavra existe?) como de tristeza durante todo o caminho.
"O Ninguém" é uma excelente história sobre personagens feridos lidando com solidão, abandono, paranoia, culpa e fracasso. Seu roteiro prende e sua arte encanta e, mesmo que possa parecer repetitivo para os fãs mais assíduos do leitor, é muito difícil que "O Ninguém" passe despercebido.
Nota: 9/10!
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