A Saga da Fênix Negra - Uma lembrança e um adeus


Ela é vida e fogo encarnados! Agora e sempre - ELA É FÊNIX!

 

2022 começou com textos incríveis feitos por Thiago, um relembrando as histórias que 2021 contou para ele, e outro falando sobre uma história que começou faz pouquíssimo tempo! Mas hoje, se me permitem, vou contar uma história de mais de 40 anos atrás...


Criados por Stan Lee e Jack Kirby, os X-Men passaram por maus bocados em seus primeiros 20 anos de publicação. Diferente das lendas urbanas que glorificam a escrita de Stan Lee, seu trabalho nunca foi exatamente excepcional, especialmente durante a época quando o antigo chefe criativo da Casa das Ideias criava heróis novos a cada semana e revistas novas todos os meses. Não era incomum ele deixar a maior parte da escrita para os artistas, ou só ignorar títulos quando criava um projeto novo. Não me entendam mal, essa fórmula funcionava, mas não era exatamente a receita para grandes clássicos.

Com Stan dividido entre escrever múltiplas revistas diferentes e Jack Kirby fazendo mais da metade dessas revistas funcionarem, alguns títulos da dupla lendária iam sofrer criativamente e, como resultado, a equipe mutante nunca foi exatamente popular nas mãos de seus roteiristas originais depois do "boom" inicial. Na verdade, durante muito tempo os X-Men viraram uma revista "filler", que só republicava as mesmas histórias, com a última história verdadeiramente inédita saindo na edição 66 e dando início a um período sem novidades reais. Esse hiato criativo duraria até a edição 93, marcando CINCO ANOS de republicações (e tem quem reclame dos fillers de Naruto...).

Tudo isso, porém, mudou em 1975, quando a dupla de Chris Claremont e John Byrne foi encarregada de trabalhar nos X-Men para produzir histórias inéditas novamente. A ideia era tentar uma última vez salvar o título, era tudo ou nada. Se Claremont e Byrne falhassem a revista seria cancelada e os X-Men entrariam no limbo e, provavelmente, os mutantes deixariam de existir no universo Marvel.

Felizmente a editora vermelha não fez uma tentativa meia boca, e confiava na dupla criativa que colocou para escrever: Chris Claremont era um roteirista muito competente e à frente de seu tempo, e John Byrne era "apenas" um dos mais talentosos artistas em atividade durante a época. Juntos, os dois fizeram historia com a LENDÁRIA edição especial "X-Men Giant-Size #1", que mudou o paradigma das historias em quadrinhos para sempre, salvando o título e, mais importante, criando uma era de (relativo) sucesso para os X-Men que duraria, aos trancos e barrancos, bem depois que o run da dupla acabou, e até 2005, mais de meia década após o fim do run de Claremont como roteirista dos X-Men.

Durante seus 17 anos à frente dos títulos principais, Chris Claremont trabalhou com inúmeros artistas e contou historias que até hoje são clássicos: "Massacre de Mutantes", "Deus Ama, O Homem Mata", "Dias de um Futuro Esquecido", "Queda dos Mutantes", "Programa de Extermínio"... Mas, uma saga fica acima de todas as outras e é, até hoje, considerada um dos maiores eventos e mudanças no status quo da indústria dos quadrinhos. Um evento que mudou o paradigma de como se escrever arcos de quadrinhos. Um evento que elevou todos os personagens e facções envolvidas nele e transformou o mundo mutante. Sim, estou falando da clássica "Saga da Fênix Negra"!

 

Essa capa com a Fênix Negra destruindo a logo clássica é... icônica!


A historia em si é a conclusão de um dos mais grandiosos arcos de gibis: A Saga da Fênix. Raramente relançada como uma "saga" isolada, a Saga da Fênix tem três atos: O primeiro é o arco do Cristal M'Kraan, onde os X-Men enfrentam - e vencem - a Guarda Imperial Shi'ar pela primeira vez, bem como vão para o espaço pela primeira vez. Lá eles também conhecem Lilandra, ex-err...companheira (?) do Professor Xavier e dona do trono Shi'ar depois de seu irmão D'ken, que desejava usar o poder do lendário Cristal M'Kraan para ganhar poder absoluto, é derrotado pelos X-Men. No final deste arco, Jean é considerada morta, mas logo descobrimos que ela não somente está viva, mas se tornou a Fênix!

Depois disso, os X-Men vão parar no polo Norte, onde Magneto os derrota e o mundo os dá como mortos. Após duas edições apresentando a vilã mais questionável desta série de arcos, a Babá, os X-Men conseguem destruir a base polar de Magneto e derrotar o mestre do magnetismo. Após essa batalha, o time acaba se dividindo novamente, com cada parte do time achando que a outra está morta. A equipe se reúne na Ilha Moir, onde enfrentam -e vencem- Proteus (ou Mutante X), filho de Moira MacTarget. A saga de Proteus age como um segundo ato para a saga da Fênix, onde vemos que Jean começou a ter visões de uma ancestral sua casada com um nobre chamado Jason Wyngarde. Além disso, vemos nesta saga os (na época) Totalmente Novos e Diferentes X-Men se tornando um time competente e poderoso. 

A saga de Proteus, infelizmente, não é tão importante para a Saga da Fênix fora o detalhe de ser onde Jean começa a ter visões de Wyngarde. Na verdade, ela é considerada tão desconexa que quase nunca é reimpressa como parte da Saga da Fênix Negra, mesmo que o terceiro ato comece imediatamente após o fim do arco de Proteus, com o time chegando na Mansão X e descobrindo que Professor Xavier, não visto desde a captura dos heróis por Magneto, está vivo!

 

Essa cena onde Wolverine explica os motivos do capanga não poder vencer é uma das minhas favoritas da saga inteira! Mas, felizmente, não é nem a melhor do Wolverine!

 

Ao longo da primeira fase do arco, os X-Men descobrem dois novos mutantes: Cristal e Kitty Pryde. Eles se dividem e vão recrutar os aliados, mas acabam sendo atacados por lacaios do Clube do Inferno, um clube formado pelos mais ricos e poderosos de Nova Iorque, secretamente liderado por mutantes!

É, o Clube do Inferno é posicionado como a força antagonista no início da saga da Fênix Negra, fato que acabou sendo deixado de lado nas duas adaptações que a saga teve nas telonas. O que é uma pena, já que o Clube é uma grande força antagônica para os X-Men e são incríveis adversários quando bem escritos. Em especial Sebastian Shaw, líder da formação original do Clube do Inferno e um mutante com o poder de absorver impacto e energia. Enfim...

Após o conflito com o grupo liderado pela Rainha Branca - Emma Frost - que resultou no recrutamento de Kitty Pryde (a primeira estudante da escola do Xavier desde 1960 e poucos), Ciclope decide que acabaram os tempos de espera, e os X-Men vão agora ser proativos e infiltrar a base do Círculo Interno do Clube do Inferno para descobrir quem está os atacando! Infelizmente... Era uma armadilha, e Jason Wyngarde, que neste ponto foi introduzido a quase dois arcos atrás, sabia exatamente quando eles iam chegar.

Durante o confronto inicial contra o Clube do Inferno oficial, os X-Men são derrotados e capturados graças à Jean Grey, que trai os heróis após sofrer uma lavagem cerebral completa e ficar a mercê do Mestre Mental. Esse "segundo ato" é bem desesperador, com a derrota limpa e incontestável dos X-Men no começo. Mesmo que Wolverine consiga virar a onda e dar a vantagem para os mocinhos, a tensão nunca diminui e o ritmo continua sempre a mostrar que o que está ruim pode e, nesta historia, VAI piorar.


Desculpa o excesso de imagens, eu só amo demais essa cena do Wolvie.

 

Após Wolverine conseguir salvar o dia, e tudo parecer certo, Jean Grey torna o Mestre Mental em uma ameba e em último momento de lucidez, avisa a todos que eles não venceram ainda. A Fênix Negra nasce, e os X-Men, pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas, uma derrota nas mãos da mulher que menos de um dia atrás era a alma e coração do time. 

 

"Testemunhe o nascer de uma Deusa!"

 

 Após o nascimento da Fênix Negra, Jean Grey limpa o chão com seus antigos amigos, derrotando-os de forma limpa e brutal. Os X-Men mal saem vivos da luta, enquanto que a Fênix Negra sai do planeta e se revela ao mundo, disparando todos os alarmes super-humanos do planeta, atraindo atenção até mesmo dos Vingadores! Bom... Do único vingador de guarda: O Fera!

O Fera, ex-X-Man, bota seu trabalho de tempo integral nos Vingadores em risco para salvar seus amigos, imediatamente abandonando seu posto de vigia para checar os X-Men e ver como eles estão. Ele rapidamente é colocado a par da situação com exposição e imediatamente prepara um plano. Os X-Men preparam seu contra-ataque para quando Jean retornar.

Jean logo retorna, direto para sua casa de infância, tendo poucos momentos de lucidez até que seus pais acionam um gatilho emocional e ela perde o controle, deixando a Fênix reinar. Felizmente, os X-Men estão prontos e a atacam de forma furtiva, conseguindo uma pequena vantagem e desestabilizando a poderosa entidade cósmica por alguns segundos. Infelizmente, eles logo perdem a vantagem e Fênix vence todos os X-Men.

Todos os X-Men exceto o Ciclope.

Scott aparece e tenta argumentar com a Fênix. A força cósmica se encontra incapaz de matar Ciclope, já que Jean Grey ainda existe dentro de si. Ciclope e Fênix conversam tempo o bastante para que o Professor Xavier chegue no campo de batalha e, numa batalha mental, consiga por um fim ao caos. Essa batalha mental é curta, mas incrivelmente satisfatória. Os X-Men não podem vencer em uma batalha convencional, então uma batalha mental era a única forma de derrotar esse poder ilimitado. Sinto que, se fosse uma historia atual, teríamos uma representação visual da batalha mental, e isso acabaria virando um super-poder para o Xavier e todos os outros mutantes psiônicos.

E é isso, certo? Os X-Men venceram, Jean está de volta, Fera se reuniu com os mutantes novamente e todos estão prontos para tomar um bom café. O bem venceu! Certo?

...

CERTO???


Fera está certo. Eles não estão mais no Kansas.


Logo após uma batalha quase mortal, a terceira em três dias, os X-Men são transportados para uma nave imperial Shi'ar, onde descobrem que a Fênix não somente destruiu um crusador Shi'ar que não estava em campo de batalha, mas também matou e consumiu um sistema solar inteiro. Claro, os leitores já sabiam disso, mas para nossos heróis, isso vem como um choque.

Os X-Men tem doze horas para se preparar para uma batalha "até a morte" onde o lado vencedor decidirá se Jean Grey vive.. OU MORRE!!! É um bom momento. Vemos todos os X-Men separadamente se preparando. Alguns treinam, outros apenas tomam banho, mas todos decidem, independentemente uns dos outros, que eles precisam lutar com tudo que tiverem para salvar Jean.

Os X-Men já venceram a Guarda Imperial no passado, e o confronto com o Império Shi'ar foi o gatilho que libertou o poder da Fênix dentro de Jean. Agora, com mais X-Men, os mocinhos deveriam ter vantagem, certo? ERRADO! A Guarda Imperial não somente treinou como também adicionou novos membros, os quais os X-Men não sabem exatamente quais poderes possuem.

A batalha final do arco acontece no lado azul da lua e, um por um, os X-Men caem. Essa última investida desesperada dos mutantes para salvar a vida de sua amiga, que foi aos olhos deles injustamente acusada de genocídio, é dolorosa. Os X-Men nunca tem a vantagem, nunca conseguem derrubar inimigos de forma decisiva e sempre, sempre, caem.

Em um último ato de desespero, Jean acaba acessando o poder da Fênix, ficando fora de si e, sentindo que está perdendo o controle, se deixa ser executada. Os X-Men perdem, Jean morre e o mundo nunca mais é o mesmo.

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A vida após a Fênix Negra:

 Por muito tempo, os X-Men mudaram consideravelmente suas dinâmicas após isso: Ciclope saiu do grupo, Tempestade se tornou a líder, Wolverine ganhou série solo... Mas, sem dúvidas, o mais chocante foi o retorno de Jean Grey, que aconteceu apenas em 1986. Pois é, naquela época Jean Grey morria e continuava morta por anos a fio, especialmente pelo fato de que Jim Shooter, o editor-chefe da Marvel na época, não queria que a mutante ruiva voltasse. A telepata mutante só voltou ao mundo dos vivos após a saída de Shooter do editorial.

Muitos roteiristas passaram pelos X-Men após a saída de Claremont, mas muito raramente conseguiram deixar uma marca tão grande quanto ele. Os Surpreendentes X-Men sempre foram, e sempre vão ser, o maior legado do autor. E meu gibi favorito de todos os tempos!


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Alguns gibis são especiais para nós, e esses gibis podem vir de muitas formas: a primeira edição que você comprou com dinheiro próprio, a edição especial assinada pelo autor... Pra mim, esse gibi (a Saga da Fênix Negra) é especial por ter sido meu primeiro gibi, o gibi com o qual aprendi a ler e, mais importante, o gibi que me apresentou meus heróis favoritos: os X-Men.

Eu cresci vendo as historias daqueles que são odiados pelo mundo que juraram proteger. As historias dos que são caçados por nascerem diferentes. As historias de pessoas (supostamente) bem-intencionadas causando morte e desespero em prol do "bem maior". As historias de pessoas sofrendo em nome da "família tradicional americana", em nome de um "Deus" que só ama aqueles que não fogem dos padrões.

X-Men mudou minha vida muitas vezes. Esses heróis de collant me ensinaram como ter empatia por aqueles que são diferentes e a ajudar aqueles que nos deixariam falhar se a situação fosse revertida. No fim, a maior lição que os X-Men passam é a de amar ao próximo. Mas eles também nos ensinam o amor próprio e a autoaceitação. Os X-Men nos ensinam a abraçar quem somos e a nos esforçarmos para nos tornarmos as melhores versões possíveis de nós mesmos, mesmo quando o mundo literalmente não quer isso. Os X-Men nos ensinam que ser diferente é ser especial, e que nossas diferenças nos fortalecem.

Pra quem não me conhece pessoalmente, meu nome não é "Mathias". Este era só um apelido, um "codinome" para me diferenciar na vida real e virtual. O que começou como piada interna logo virou uma máscara social que eu usava pra evitar ter que olhar para dentro de mim mesmo e fazer perguntas difíceis. Perguntas que não deixavam eu crescer como pessoa a menos que eu as respondesse.

Nos últimos meses, e anos, eu tenho batalhado muitas guerras internas que não são assunto pro blog, mas elas impactaram o meu rendimento aqui e em todos os aspectos da minha vida. Depressão, pandemia, problemas familiares... A lista é enorme, e não me sinto confortável em discutir ela inteira aqui. O que importa é que, por conta do (suposto) isolamento social, eu finalmente tive tempo pra me entender e refletir sobre quem eu sou de verdade, sobre quem está "por baixo da máscara" que Mathias se tornou na minha vida.

Mathias, em muitos aspectos, é um homem que nunca existiu, mas que sempre foi real, e para sempre vai ser parte de mim e do blog! Porém, todo peregrino chega ao fim de sua jornada um dia, e Mathias chegou ao fim de sua jornada. No seu lugar, minha querida amiga Beatriz vai assumir os afazeres no blog. (ela já foi até citada no texto de natal feito por Thiago!)

Este texto é um adeus de Mathias. Diferente da fênix mitológica, e mais como a Jean Grey desta saga, a jornada dele não termina com um renascer, mas sim com um final agridoce. No blog, claro. Na vida real as coisas são bem mais complicadas, e estão bem longe de acabar, mas garanto que será com um final feliz!

Bom... Com isso, me despeço.

Tomem água. Leiam gibis. Amem, riam, leiam, escrevam, abracem quem vocês amam e comam o que gostam. Não tenham medo de serem quem vocês são. Acreditem em si mesmos! Você é uma pessoa amada, você vale cada segundo que passa na terra. Não importa quem você é, você merece amor! Você merece ser feliz!

Obrigado por me acompanharem por tanto tempo! Obrigado ao Thiago por me aturar falando de textos que nunca saíram e de projetos que nunca foram ao ar! E um obrigado especial ao Chris Claremont, o escritor desse gibi que abriu as portas de um multiverso que salvou a minha vida.

Até nunca mais! 


--// Final de Transmissão // Sinal perdido //--

--// Nave M3TH-145 fora de alcance //-- 

--// Até nunca mais, e obrigada por tudo! //--


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